Com a apresentação do projeto de regulamentação da reforma tributária (PLP 68/2024), diversas operações passam a ter um delineamento mais preciso no que diz respeito a expectativa de incidência tributária nos próximos anos. Abaixo destacamos cada um desses pontos, na expectativa de contribuir com o debate que será travado no cenário tributário dos próximos meses. Confira:
- Imposto Seletivo: A regulamentação propõe a incidência do Imposto Seletivo sobre bens como bebidas alcoólicas, produtos do fumo e veículos, além de bebidas açucaradas, excluindo os ultraprocessados. A alíquota do imposto não está definida, mas foram determinados critérios como potência, eficiência energética e pegada de carbono para veículos. A sua incidência sobre produtos do fumo tem como pretensão desestimular o tabagismo, enquanto para bebidas alcoólicas será considerado o teor alcoólico do produto, abordagem que segue recomendações internacionais para reduzir o consumo excessivo de álcool. A tributação de extração de bens minerais e petróleo já era aguardada, havendo preocupações com a cumulatividade do imposto, nesse sentido;
- Cesta básica: O projeto de lei identifica os alimentos que comporão a Cesta Básica Nacional, sujeitos a alíquotas zero do IBS e da CBS, incluindo itens como leite, feijão, café e pão comum, priorizando alimentos in natura ou minimamente processados e aqueles consumidos principalmente pelos mais pobres;
- Serviços financeiros: O texto propõe regras específicas para o setor financeiro, incluindo um crédito presumido para operações de empréstimo e intermediação financeira, visando evitar a cumulatividade do tributo. As alíquotas do IBS/CBS para o setor serão definidas para manter a carga tributária sobre operações de crédito bancário, buscando tornar o país pioneiro na tributação de serviços financeiros remunerados por margem, como o spread. O regime específico se aplicará a serviços financeiros prestados por entidades supervisionadas pelo Sistema Financeiro Nacional e por órgãos como CVM, BC e SUSEP. O texto também estabelece normas gerais de incidência para operações com bens e serviços do setor financeiro, incluindo serviços remunerados por tarifas e comissões;
- Seguros, previdência complementar e capitalização: Por sua vez, os artigos 206 ao 212 do projeto tratam das operações com seguro, resseguro, previdência complementar e capitalização, ficando sugerido que para seguros e resseguros, a base de cálculo dos tributos considerará os prêmios recebidos somados às receitas financeiras dos ativos garantidores, com dedução de indenizações, cancelamentos e serviços de intermediação. Na previdência complementar e capitalização, a base de cálculo será as receitas de serviços subtraídas das contribuições destinadas a provisões técnicas e serviços de intermediação. A proposta vedou créditos de IBS e CBS na compra de serviços de previdência complementar e capitalização, e as alíquotas serão as mesmas dos demais serviços financeiros;
- Planos de saúde: Entre os artigos 218 a 225 do projeto, fica estabelecido um regime específico para planos de assistência à saúde. A base de cálculo dos tributos será a receita desses planos, deduzindo indenizações e valores pagos a corretores. As alíquotas do IBS e da CBS serão nacionalmente uniformes e reduzidas em 60%. Os corretores pagarão a mesma alíquota do plano sobre o valor da operação. O projeto, ainda, veda o creditamento do IBS e da CBS para o contratante dos planos, o que pode desestimular a oferta de planos de saúde pelas empresas e aumentar a carga tributária dos prestadores de serviços;
- Bens imóveis: O projeto também estabelece um regime diferenciado para bens imóveis, com uma redução de 20% no IBS e CBS. A base de cálculo inclui o valor de referência ou de alienação do imóvel, além do valor da locação ou arrendamento. Um redutor de ajuste será aplicado para contribuintes sujeitos ao regime regular, abatendo o montante dos tributos. Esse redutor poderá ser baseado no valor de referência do imóvel em 12/2026 ou no valor de aquisição a partir de 01/2027. Um redutor social de até R$ 100 mil é criado para a venda de imóveis residenciais novos. A venda, locação ou arrendamento de imóveis de pessoa física não será tributada, desde que o bem não seja usado predominantemente para atividades econômicas. Por fim, locações inferiores a 90 dias seguirão regras de hotelaria;
- Combustíveis: Ficou sugerida regras específicas para todos os combustíveis no país, excluindo os lubrificantes devido à sua grande variedade de produtos e preços. As alíquotas serão cobradas com base na quantidade de combustível, mantendo a tributação concentrada no primeiro elo da cadeia produtiva. Não há definição de alíquota específica, mas o projeto prevê regras para evitarem aumento da carga tributária no setor. O regime aduaneiro especial para o setor de petróleo e gás continuará até 2040, isentando do IBS e CBS atividades como exploração e transporte. Esse padrão de alíquota específica para combustíveis visa evitar oscilações de preço do petróleo e garantir concorrência justa na Zona Franca de Manaus;
- Cashback: A proposta regulamenta a devolução de tributos para pessoas de baixa renda, que devem estar inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal e ter renda per capita de até meio salário-mínimo. Os percentuais de devolução variam conforme o tipo de produto, sendo, no caso do gás de cozinha, 100% de devolução de CBS e 20% para o IBS. Produtos como cigarros e bebidas alcoólicas não estão incluídos nesse programa;
- Profissões intelectuais: A proposta reduz em 30% as alíquotas do IBS e da CBS para serviços de 18 profissões intelectuais, como advogados, arquitetos, engenheiros, entre outros, que são fiscalizadas por conselhos profissionais e têm natureza científica, literária ou artística;
- Serviços de saúde, medicamentos e dispositivos médicos: O projeto de lei inclui anexos que especificam quais serviços de saúde, medicamentos e dispositivos médicos serão tributados com alíquota zero ou a 40% do IBS e da CBS. Serviços como os cirúrgicos, odontológicos, clínicos, farmacêuticos e laboratoriais estão sujeitos à carga tributária de 40%. Além disso, há uma lista de 850 medicamentos com redução de alíquota e outra lista com 383 medicamentos isentos dos novos tributos;
- Alimentos com redução de alíquota: O texto lista os alimentos que serão tributados com alíquota de 40% dos novos impostos, incluindo carnes, leites, queijos, mel, tapioca, massas, sucos, grãos e óleos;
- Zona Franca de Manaus: O PLP mantém a Zona Franca de Manaus, isentando a importação de produtos para empresas locais da incidência do IBS e da CBS. Outrossim, não serão tributadas operações originadas fora da Zona Franca que destinem bens industrializados de origem nacional para a região. Também institui um crédito presumido de IBS para contribuintes na Zona Franca, que adquirirem bens intermediários produzidos na área e sujeitos à alíquota zero dos novos tributos;
- Créditos presumidos do IBS e da CBS: Além das situações relacionadas à Zona Franca de Manaus, o projeto também prevê a concessão de créditos presumidos do IBS e da CBS aos contribuintes que adquirirem bens e serviços de produtor rural (inclusive o integrado) não contribuinte dos tributos e não optante pelo Simples Nacional. Também há previsão de concessão de crédito presumido do IBS e da CBS para quem adquirir serviço de transporte de carga de transportador autônomo pessoa física não contribuinte dos tributos; resíduos sólidos e demais materiais destinados à reciclagem; bens móveis usados, para revenda, de pessoa física não contribuinte do tributo; apenas para citar algumas hipóteses;
- Responsabilidade das plataformas digitais: O PLP estabelece que as plataformas digitais, mesmo no exterior, devem recolher o IBS e a CBS em operações por elas realizadas, quando o fornecedor estiver fora do país ou não recolhe os tributos. A definição de plataforma digital abrange aquelas que intermediam operações não presenciais ou eletrônicas e controlam aspectos essenciais da transação. A medida reflete uma tendência global, mas carece de detalhes;
- Restituição de créditos: O PLP propõe um prazo de até 270 dias para restituição de saldo credor de IBS e CBS, sendo reduzido a 60 dias em casos específicos, como créditos relacionados à aquisição de bens imobilizados ou ressarcimentos de valor limitado;
- Split Payment: Os artigos 50 e 51 do projeto introduzem o conceito de split payment, onde o IBS e a CBS são recolhidos no momento da liquidação financeira da transação de pagamento. Isso significa que os prestadores de serviços de pagamento devem separar e remeter os valores correspondentes aos tributos para os cofres públicos. Essa medida visa garantir que, em caso de inadimplência do fornecedor, o tributo sobre a operação seja pago e o adquirente tenha direito ao crédito, proporcionando uma segurança tanto para o consumidor quanto para o Poder Público;
- Saldo credor de PIS/COFINS e benefícios de ICMS: Até a data de extinção do PIS e da COFINS, os créditos não utilizados poderão ser usados para compensação com o valor devido de CBS, reembolsados em dinheiro ou compensados. Além disso, os contribuintes com benefícios de ICMS serão compensados por recursos do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiro-Fiscais, conforme os artigos 371 e 372 do projeto;
- Vedação ao crédito de IBS/CBS para bens de uso e consumo pessoal: O artigo 29 do projeto proíbe a apropriação de créditos do IBS e da CBS sobre a compra de certos bens e serviços de uso pessoal, como joias, bebidas alcoólicas e armas. Porém, esses créditos podem ser recuperados se os bens e serviços forem necessários para as operações do contribuinte, como no caso de um supermercado comprando bebidas para revenda.
Ainda é certo para avaliar os aspectos que causarão judicialização imediata por parte dos contribuintes, mas já existem pontos de atenção gerando debate na comunidade tributária. De antemão, as atenções voltam-se à regra que vincula o direito ao crédito ao efetivo pagamento dos tributos na etapa anterior, delegando ao contribuinte uma tarefa de fiscalização. Também se aponta para a responsabilidade solidária que as plataformas digitais terão no recolhimento do IBS e da CBS das operações feitas por intermédio delas. Outro aspecto de alerta também reside na vedação à tomada de crédito do IBS e CBS pagos pelas empresas em bens e serviços oferecidos aos funcionários, como celulares, pacotes de dados e planos de saúde, entre outros, a menos que sejam usados exclusivamente na atividade econômica do contribuinte.
Todas essas questões deverão ser amadurecidas durante o debate do Projeto de Lei, enquanto contribuintes e advogados acompanharão, de forma rente, a evolução da questão para que a defesa dos direitos dos interessados seja imediata, em caso de violações.