Inicialmente, para abordar as hipóteses de minoração da base de cálculo dos impostos incidentes sobre transações relacionadas a bens imóveis, cumpre discorrer acerca da natureza e âmbito de aplicação dos dois tributos legalmente previstos para esta essa situação, sendo eles o Imposto Sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).
O Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) encontra-se previsto no artigo 156, inciso II, da Constituição Federal, do qual consta expressa outorga aos municípios da competência para a sua instituição, bem como os seus possíveis fatos geradores, quais sejam: (i) transmissão da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis; (ii) transmissão de direitos reais sobre imóveis; e (iii) cessão de direitos relativos às transmissões mencionadas anteriormente.
Referido tributo também se encontra regulamentado pelos artigos 35 a 42 do Código Tributário Nacional, e, para o caso do Município de São Paulo, analisado no presente artigo, previsto na Lei 16.098/2014.
Nesse sentido, o ITBI, como o próprio nome já diz, refere-se ao imposto incidente sobre transmissão de bens imóveis, a título oneroso, sendo a sua alíquota atualmente aplicada na ordem de 3% (três por cento) sobre o valor venal do imóvel.
Já o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) é de competência dos estados e do Distrito Federal, encontrando-se primordialmente previsto no artigo 155, inciso I, da Constituição Federal, apresentando, como hipótese de incidência, a transmissão da propriedade de bens e direitos em decorrência (i) do falecimento de seu titular; ou (ii) de cessão gratuita (doação).
Para o caso de bens imóveis, como tratado no presente, o imposto compete ao estado em que se encontrar localizado o bem, sendo, para a competência de São Paulo, previsto na Lei 10.705/2000, a qual estabelece a sua alíquota em 4% (quatro por cento) sobre o valor venal do imóvel.
Tecidos tais esclarecimentos, observando-se os artigos 7º, 7-A e 7-B da Lei nº 11.154/1991, que dispõe sobre a aplicação do ITBI, com a redação conferida pela Lei 14.256/2006, nota-se que o valor do imposto deverá ser calculado pelo “valor referência” instituído pela Prefeitura do Município de São Paulo, senão vejamos:
“Art. 7º. Para fins de lançamento do imposto, a base de cálculo é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, assim considerado o valor pelo qual o bem ou direito seria negociado à vista, em condições normais de mercado.
§ 1 º. Não serão abatidas do valor venal quaisquer dívidas que onerem o imóvel transmitido.
§ 2º. Nas cessões de direitos à aquisição, o valor ainda não pago pelo cedente será deduzido da base de cálculo.
Art. 7-A- A Secretaria Municipal de Finanças tornará públicos os valores venais atualizados dos imóveis inscritos no Cadastro Imobiliário Fiscal do Município de São Paulo.
Parágrafo único: A Secretaria Municipal de Finanças deverá estabelecer a forma de publicação dos valores venais a que se refere o “caput” deste artigo.
Art. 7-B. Caso não concorde com a base de cálculo do imposto divulgada pela Secretaria Municipal de Finanças, nos termos de regulamentação própria, o contribuinte poderá requerer avaliação especial do imóvel, apresentando os dados da transação e os fundamentos do pedido, na forma prevista em portaria da Secretaria Municipal de Finanças que poderá, inclusive, viabilizar a formalização do pedido por meio eletrônico”.
O mesmo ocorreu para o caso do ITCMD, visto que, mediante o Decreto nº 55.002/2009, foi estabelecido que o valor venal dos bens imóveis passaria a ser o “valor venal de referência do ITBI”, como dito, instituído pela Prefeitura Municipal de São Paulo.
Como se pode notar, por meio da legislação municipal, foi delegada ao Poder Executivo Municipal a tarefa de definir, mediante ato infralegal, os parâmetros de apuração de um dos elementos da regra-matriz de incidência do ITBI e ITCMD, qual seja: a sua base de cálculo, situação que representa clara afronta ao princípio da estrita legalidade.
Ademais, os artigos supratranscritos estabelecem, para fins de exigência de ITBI e ITCMD, base de cálculo tributável não prevista em lei, a qual é apurada, atualizada e divulgada pela Secretaria Municipal de Finanças, representando verdadeira majoração de tributo.
Isto porque o “valor venal de referência” é apurado mediante pesquisa de mercado, sem qualquer informação ou previsão de qual o período de atualização utilizado, ou seja, os dados são estabelecidos de maneira absolutamente obscura, sendo que, na maioria das vezes, o preço estabelecido pela Prefeitura Municipal de São Paulo supera o valor venal do imóvel e, até mesmo, o valor do negócio, situação que, muitas vezes, inviabiliza a prosseguimento de inventários, negócios de compra e venda, doações, entre outros.
Portanto, o “Valor Venal de Referência” vigente no Município de São Paulo, com fundamento nos artigos 7º, 7-A e 7-B da Lei Municipal nº 11.154/91 é manifestamente ilegal e inconstitucional, na medida em que, por meio de ato do Poder Executivo Municipal, foi alterado e majorado o critério quantitativo da incidência dos referidos impostos, por meio de atualização do “Valor Venal de Referência”.
Nesse ponto, imperioso ressaltar que, em sentido oposto ao determinado pela Prefeitura Municipal de São Paulo, encontra-se a legislação vigente já mencionada, a qual estabelece que tais tributos somente podem incidir sobre (i) o valor da transação do bem; ou (ii) o Valor Venal do imóvel referente ao IPTU, aplicando-se sempre o que for maior.
Consoante já abordado, com o pretexto de atualizar os valores venais para o cálculo do ITBI e ITCMD, a Prefeitura Municipal de São Paulo promulgou a Lei 14.125/2005, que prevê, em seus artigos 7º, 7º-A e 7º-B, transcritos acima, o estabelecimento de um “valor referência”, a ser entendido como o valor mínimo para cálculo do imposto de transmissão.
Ocorre que, em julgamento do Incidente Arguição de Inconstitucionalidade Civil nº 0056693-19.2014.8.26.0000, emitido em 25 de março de 2015, pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que teve como relator o Exmo. Desembargador Paulo Dimas Mascaretti, restou reconhecida a inconstitucionalidade dos referidos artigos:
“(…) Na verdade, tais comandos legais padecem dos vícios de inconstitucionalidade alardeados pelo autor, por afronta ao artigo 150, I da Constituição Federal e ao princípio da segurança jurídica. Com efeito, o “valor venal de referência” ao qual faz alusão o preceito do artigo 7º A da Lei Municipal 11.154/91, pode servir ao Município tão somente como parâmetro de verificação da compatibilidade da base de cálculo obtida a partir do preço declarado de venda do imóvel, na transação objeto da exação, com a realidade do mercado imobiliário; não pode se prestar à prévia fixação daquele montante tributável, obrigando o contribuinte ao recolhimento respectivo (…) ante o exposto, acolhe-se a arguição, para o fim de pronunciar a inconstitucionalidade dos artigos 12, 7º-A e 7º-B da Lei 11.154 de 30 de dezembro de 1991, estes últimos acrescentados pela Lei 14.125 de 29 de dezembro de 2005, ambas do Município de São Paulo (…)”.
Portanto, torna-se evidente que os artigos 7º-A e 7º-B da Lei 11.154/1991, acrescentados pela Lei 14.125/2005, ambas do Município de São Paulo, não podem ser aplicados, considerando que declarados inconstitucionais.
Apesar do entendimento consolidado pelo julgamento do Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade Civil nº 0056693-19.2014.8.26.0000, os contribuintes, até hoje, encontram extrema dificuldade no momento de realizar qualquer transação imobiliária, visto que os Cartórios de Registro de Imóveis do Município de São Paulo exigem a comprovação do recolhimento do ITBI e ITCMD com base no “valor venal de referência”, o que, por óbvio, também impacta nas custas e emolumentos do cartório.
Para tal impasse, a solução encontrada para o contribuinte é, antes mesmo de recolher o tributo, impetrar Mandado de Segurança, sendo possível, mediante referido remédio jurídico, formular pleito em caráter liminar, a fim de obter prévia autorização judicial para recolhimento do tributo com base no valor venal correto, calculado sobre o valor venal do IPTU do imóvel, o que torna possível a conclusão da transmissão e registro perante o Cartório de Registro de Imóveis.
Tal medida, inclusive, se sobressai a eventual ação judicial posterior para restituição dos valores cobrados a maior pelo município, haja vista que, nesses casos, o pagamento será recebido mediante precatório que, como sabido, demora anos, até mesmo décadas, para se indenizar o valor cobrado em excesso do contribuinte.
Embora seja passível de posterior alteração, seja pela via legal ou jurisprudencial, o tema em discussão é de grande valia para todos os negócios atrelados ao mercado imobiliário, o qual é responsável, inclusive, por fomentar a economia do país, visto que, conforme amplamente demonstrado, importa em expressiva minoração da base de cálculo dos impostos incidentes sobre transações imobiliárias, o que reflete também na diminuição de gastos com custas e emolumentos de cartório.